Chile versus URSS. O jogo que nunca existiu

20 de Junho 2021 - 06h15
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No fim de 1973, a maioria das seleções já estavam definidas para a Copa do Mundo da Alemanha. Das 16 vagas, 15 eram ocupadas conforme a disposição da época: a anfitriã e o último campeão mundial estavam garantidos. Cabiam ainda 8 seleções europeias, 02 sulamericanas, 01 da Oceania/Asia, 01 africana e 01 da Concacaf (América do Norte e Central). A última vaga deveria ser definida numa repescagem entre a 9ª colocada do continente europeu e a 3º do continente sulamericano (*): URSS versus Chile.

Por afinidade ideológica do então presidente Salvador Allende com os soviéticos, cogitava-se que os chilenos abririam o jogo.

O golpe de Estado de 11.09.1973 mudou a história. Allende cai e o Chile passa a ser governado por Augusto Pinochet. O primeiro jogo, em Moscou, agendado para 26.09, foi realizado com os dois países rompidos diplomaticamente. Os soviéticos cancelaram as passagens aéreas da delegação chilena na Aeroflot, sendo somente resolvido com a intervenção do cônsul chileno na Alemanha. Tanto na ida, como na volta, os jogadores chilenos viajaram desgarrados, de improviso, alguns individualmente. A partida teve a arbitragem do brasileiro Armando Marques que soube conduzir um jogo sob tensão e que terminou em 0x0, em magistral apresentação da dupla de zaga Figueroa-Quintano. Sequer houve a tradicional troca de flâmulas pelos capitães.  

A segunda partida estava marcada para 21.11.1973, no Estádio Nacional, em Santiago, local que servia de prisão e execução de presos políticos pelo regime Pinochet. O governo russo, longe de ser um baluarte na defesa dos direitos humanos, avisou que:

“Por considerações morais, os esportistas soviéticos não podem jogar nesse momento no estádio de Santiago, salpicado de sangue de patriotas chilenos”.

Os soviéticos não viajaram à Santiago. O governo chileno ignorou a ausência e convidou o Santos, já sem Pelé, para garantir um espetáculo qualquer.

Sem adversário e sob o testemunho de 25 mil pessoas, o árbitro austríaco Erich Linemayr cumpriu o protocolo e apitou o início da partida com apenas os chilenos em campo, que saíram tocando bola lentamente até a área oposta, quando o capitão Francisco Valdés chutou contra o gol vazio. Fim daquele “jogo”, abrindo espaço para o outro, com o Santos, que venceu de 5x0. 

O WO da URSS foi mais ideológico do que humanitário. A FIFA homologou o resultado. Classificado o Chile para a Copa/1974.

A seleção da URSS não foi ao jogo, mas empreendeu excursão pelas Américas, concluindo contra o ABC de Natal, no antigo Castelão, em 18.12.1973 (**).     

O Chile entrou em campo com o a seguinte formação: Olivares; Machuca, Figueroa, Quintano e Arias; Rodrigues, Valdés e Reynoso; Caszely, Ahumada e Crisosto.

(*) Decidido num Chile 2x1 Peru, em campo neutro (Montevidéo/URU).

(**) No Brasil a seleção soviétiva jogou ainda com o Vila Nova-GO e o Operário-MT.

Créditos de Imagens e Informações para criação do texto: “La Cancha Infame: A história da prisão política no Estádio Nacional do Chile” (Maurício Brum); “45, um tempo de futebol e de um poema” (Kolberg Luna Freire)