O desabafo do homem que fotografou os corpos dos Mamonas Assassinas

01 de julho 2025 - 18h21
Créditos: Reprodução

A história dos Mamonas Assassinas voltou ao centro das atenções com o filme sobre a banda, lançado nos cinemas em 2023 e agora disponível na Netflix. Mas, junto com a memória afetiva do grupo, também reapareceram as imagens mais brutais da tragédia — as fotos dos corpos, feitas minutos após o acidente, e que ainda hoje causam polêmica. A informação é do Metrópoles.

O autor das imagens é o fotógrafo Fernando Cavalcanti, que revelou os bastidores da cobertura em um relato publicado no El País, em 2018. Ele foi o primeiro profissional da imprensa a chegar à cena do acidente, na Serra da Cantareira, no dia 2 de março de 1996.

“Minhas fotos mais famosas ainda são as dos pedaços dos corpos dos Mamonas Assassinas espalhados no mato ao redor dos destroços.”

“Fui escondido no mato com um rolo de 36 poses”
Na madrugada da tragédia, Cavalcanti cobria a ronda policial para o Notícias Populares. Ao ouvir no rádio que o avião que transportava a banda havia caído, correu para Guarulhos com um repórter.

“No breu da noite, as buscas tinham sido suspensas. Tirei o colete, embrulhei a câmera numa camisa, deixei minha mochila com o repórter e me escondi no mato.”

Sem autorização, ele seguiu a equipe de resgate barranco acima. A cada pedaço de fuselagem, fazia um clique. Até que encontrou os corpos. O fotógrafo só tinha um filme com 36 poses — e a missão de registrar tudo.

“Veio o primeiro corpo. E um desespero profundo. Não pelos corpos, mas por perceber que tinha só aquele filme. O resto tinha ficado na mala.”

A foto que bateu recorde de tiragem — e gerou ameaças
As imagens, publicadas em primeira página pelo NP, causaram comoção nacional e ajudaram o jornal a bater recordes de tiragem. Mas também geraram revolta, ameaças e uma reflexão que ainda acompanha o fotógrafo.

“Nunca me culpei por ter feito aquelas fotos. Já mudei de opinião várias vezes sobre a publicação delas. Hoje, tenho certeza de que pertencem ao lado do entretenimento — e não do jornalismo.”

Cavalcanti também relembra o impacto tardio da tragédia. Só percebeu o tamanho da comoção horas depois, vendo seus primos chorarem diante da TV, no tradicional almoço de domingo na casa dos pais.

“A imagem dos meninos da banda começou a casar com a dos corpos que eu tinha fotografado.”

NP virou centro do caos: “Levaram até uma mão humana”
O fotógrafo conta que, dias depois da tragédia, um homem apareceu na redação com uma mão em decomposição embrulhada num saco plástico. Tinha ido “caçar souvenirs” do acidente e achou a mão no mato. Ao invés de levar para a polícia, entregou ao jornal. “Coitado do Rogerinho, teve que fotografar aquilo”, escreveu.

O jornal também montou uma exposição interna com as “melhores fotos”, que atraiu tanta gente que a segurança precisou suspender a visitação.

“Teve até jornalista querendo fazer cópias das fotos para vender e dividir o lucro.”

Mesmo após o sucesso da cobertura, Cavalcanti não foi contratado. Saiu do jornal, fez frilas para a Folha de S.Paulo e, em menos de um ano, se mudou para Londres.

“Todos os dias publicávamos mortos. Quase sempre pobres”
No relato, Fernando Cavalcanti reflete sobre as capas sensacionalistas com sangue, nudez e tragédias.

“Publicávamos mortos todo dia. Quase sempre pobres. Às vezes havia denúncia. Outras vezes, as fotos só serviam para saciar a curiosidade mórbida dos leitores. E para vender mais jornal.”

Décadas depois, a repercussão das fotos dos Mamonas ainda acompanha o fotógrafo. Quando alguém descobre que foi ele quem fez os registros, a reação é sempre a mesma:

“Nossa, foi você?”